terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo (Parte 5)
-9 de janeiro de 2007
Tenho 18 anos, 12 dos quais passei estudando em diversas escolas: 8 anos de Ensino Fundamental, 3 de Ensino Médio, 6 meses como intercambista e mais 6 de intensivo pré-vestibular. 12 anos. E nesses 12 anos eu não aprendi nada, absolutamente nada de Física! E nesta terça-feira ensolarada, no momento que acordei imediatamente me lembrei deste pequeno detalhe, e que em algumas horas eu teria que fazer uma prova de Física, que eu precisava ir bem para poder entrar na Universidade Federal! “Fodido, você está” diria o Mestre Yoda.
Porém, por menos que eu soubesse, ainda teria que fazer a droga da prova. “É só peso 1, não vai mudar grande coisa na média harmônica” disse uma voz em minha cabeça no caminho para o local de prova, “é só ficar uma ou duas questões acima da média” disse outra. Uma terceira voz falou “Vamos! Pense nas aulas de física do tempo de escola! Você tem que se lembrar de alguma coisa!” Imediatamente após esta voz ter se pronunciado, fiquei relembrando as aulas que tive nos últimos três anos, e tudo que consegui lembrar foram minhas sonecas durante as explicações, da minha admiração pela rua dos18 do Forte ao invés de fazer os exercícios e de uma certa invasão à casa das freiras de São José bem no meio de uma aula de Física.
É... eu não fazia bosta nenhuma na escola, e só naquela hora crítica me dei conta de que invadir conventos não cai bem no currículo, e muito menos ajuda na hora do vestibular. Mas o tempo não volta, e se voltasse, provavelmente eu tentaria descobrir o que as freiras escondem atrás daquela porta no fundo do auditório ao invés de estudar mais, o que não teria adiantado nada de qualquer maneira (talvez servisse para anatomia, pois deve ter um monte de criancinhas mortas). Era tarde demais.
Eis que vejo uma luz no fim do túnel: meu professor de física do Mauá, Dideron. Fui bater um papo com ele, ver se ele conseguiria salvar minha vida. Para não parecer desesperado, comecei perguntando coisas simplórias, como por que ele estava ali no Colégio Glória quando quase todos os professores estavam no Colégio Bom Conselho (tudo por causa da Medicina, esse curso supervalorizado a troco de nada). “Vim trazer minha filha aqui” disse ele. “Ótimo!” pensei eu “uma concorrente que com certeza sabe física!”. Devia ter perguntado alguma outra coisa. Bem, feita a parte social da coisa, resolvi ser direto, e pedir algo de ordem prática: “Quantas questões eu preciso acertar pra passar no vestibular?” Depois de alguns cálculos levando em consideração a possível média da prova e o provável desvio padrão, Dideron chegou à conclusão de que 12 acertos seria uma boa média, mas só para ficar tranqüilo mesmo, era melhor acertar 14. “Ah, tá” falei, mas pensava “como se fosse escolha minha isso”.
Abriram-se os portões! Como sempre, a pressa dos meus concorrentes para chegarem às salas de prova era algo impressionantemente estúpido, pois é como não querer se atrasar para a própria execução. Eu pelo menos estava neste espírito de desespero. Pelo menos eu ainda poderia procrastinar nos corredores. Procrastinar. Adoro essa palavra. Parece que significa algum tipo de pecado capital, um crime imperdoável, mas no fim significa apenas “enrolar”. Bem, pelo menos, para enrolar nos corredores, o fato de que o banheiro masculino era extremamente mal posicionado veio a calhar, já que me obrigava a caminhar bem mais.
Quase no final do meu tempo de vadiagem malemolente do vestibular, como diria o Jacaré Banguela, entrei na minha sala. Lá estava a gótica, novamente de preto. Acho que a cor vermelha era apenas uma fase intermediária na muda da pele dela, naturalmente preta. Góticos são black, e qualquer coisa diferente é fora do natural.
Começou a prova. Li a primeira página, a segunda, a terceira... todas, até o fim, e cheguei a conclusão de que não tinha a menor idéia de por onde começar. Pensei em rasgar o caderno de exercícios e socar as folhas goela abaixo de qualquer fiscal que aparecesse pela frente, para depois sair gritando pedindo ajuda ao Divino Deus.
FATO CURIOSO: No regulamento do Vestibular, consta que, se algum vestibulando agredir de qualquer maneira (verbal, psicológica e/ou fisicamente) um fiscal, organizador ou coordenador, ele será imediatamente desclassificado do Concurso. Mas não há nenhuma outra regra equivalente sobre agressões contra outros vestibulandos. Talvez seja assim por que a COPERSE considere um meio válido para entrar na universidade o espancamento dos colegas mais fracos...
Mas logo após estes pensamentos nihilistas passarem por minha mente, minha maior habilidade veio à tona. Alguns dão o nome de “Sangue Frio” para este poder. Eu chamo de “cagar e andar”. 85% dos candidatos a alguma vaga da Federal não tem esta habilidade, e não surpreende que sejam os 85% que rodam. Extremamente calmo, comecei a tentar fazer as questões mais fáceis. Não achei nenhuma que pudesse classificar como “fácil”. Fui para as regulares e então para as difíceis, que pareciam multiplicar-se como coelhos.
Faltando apenas 30 minutos para o final da prova, comecei a chutar, primeiro na prova de física (que eu erroneamente tomava por mais fácil), mas ainda insisti em resolver manualmente as questões de matemática, e calculei, usando apenas papel, caneta e neurônios quanto é 5,01 elevados na quinta potência. Não adiantou para nada e comecei a escolher as alternativas esteticamente mais atraentes para assinalar.
Sai da sala faltando apenas 5 minutos para o fim, e apesar disso, ainda não tive que ficar esperando o último seqüelado terminar a prova. Ótimo. Poderia ir mais cedo para casa (como isto significasse algo à uma da tarde).
Depois de um almoço frio por causa do meu atraso, fiquei fazendo hora (procrastinando novamente) até a hora de ir para a aula Pré-Prova. Desta vez, cheguei bem a tempo de não me atrasar. Era o último dia de pré-prova, e esta tarde a última em Porto Alegre sem ter que se preocupar em pegar o ônibus. Era melhor aproveitar bem.
A aula foi muito interessante: o professor Riggo, de história, provavelmente exagerou na dose de orégano no cigarrinho da tarde, e ficou completamente fora da casinha durante sua explicação (“O nome desse cara faz todo mundo pensar em mim: Che Quevara. É por que eu tenho um tição. Não, eu não vou mostrar pra vocês. Vai rolar no chão até a porta. Eu não quero ter que enrolar depois”. Essa foi só uma das pérolas dele. Vou sentir falta desse cara). Conheci outro professor de história geral, que dá aula apenas em Porto Alegre. As aulas dele devem ser muito interessantes, por que não fazia 5 minutos que ele havia entrado na sala de aula e já tinha metido o dedo do meio na cara de um infeliz na segunda fila, enquanto o Fábio (o OUTRO professor de história geral) escrevia no quadro sobre a Grécia Antiga. Infelizmente, o professor de inglês que nos deu aula foi o de Porto Alegre também, sem o apoio logístico do Martim. Nada surpreendente, já que o Martim nunca aparecia em Caxias para nos dar aula, dando sempre uma desculpa mal-feita, como dor nas costas que sempre se manifestam às 11 da manhã, horário que ele deveria estar no Mauá dando nossa aula, ou que ele passando por Canoas. Nossa turma sempre fazia um bolão quando ele chegava atrasado. Ganhava quem acertava por qual cidade ele estava passeando ao invés de estar trabalhando. Geralmente eu apostava em Erechim, Nova Roma do Sul o São José dos Ausentes, mas tenho a leve impressão de que eu escolhia sempre cidades próximas demais de Caxias. Ou talvez em São José dos Ausentes não haja nenhum aparelho para supino que agüentasse 150 quilos. Não sei, apenas sei que foi uma pena não ter tido a chance de sacaneá-lo mais uma vez a respeito de suas inexplicáveis viagens ou de gritar “THAT’S BULLSHIT” no meio da aula. Que tristeza.
Escalado como sou, fui depois da aula para o quarto do hotel onde o Tio Mauri, a Babi e a Nessa estavam hospedados, bem do lado do elevador, para comer de graça todas as porcarias que eles trouxeram. Tive a impressão que a temperatura ambiente lá era pelo menos dez graus menor do que a natural, talvez por causa dos genes de esquimó da Babi. A cama do Tio Mauri era como um depósito: todas as tralhas iam parar lá, principalmente os papéis de chocolate vazios. Dentro do frigobar tinha um pedaço de melancia e uma garrafa de chá gelado (oba!). Tomei metade do chá gelado, mas não tive tempo de sequer encostar na melancia por que, enquanto reclamávamos dos clipes que passavam na TV (deveria ser proibido por lei produzirem clipes para músicas de reggae. Aliás, deveriam proibir o reggae no Brasil, com direito a surra de toco de bugre para os infratores), por algum motivo que desconheço, estourou uma guerra de travesseiros entre a Babi e o Tio Mauri, sobrando paulada pra mim também. Os olhos da Babi brilhavam com uma intensidade maligna, insana, como se ela quisesse ao invés de acertar-nos com uma almofada, partir-nos ao meio com um machado sujo e enferrujado, para caso não tivéssemos uma morte instantânea, morrêssemos por tétano ou infecção generalizada.
Isto estava realmente nos assustando, mas a fome era ainda pior. Resolvemos dar trégua e jantar fora (do hotel. Fora eu já estava de qualquer forma). O elevador do hotel era realmente divertido de brincar: quando ele balançava demais, parava de descer. Fizemos isso tantas vezes no caminho para o saguão que quando chegamos, ele (o elevador) parou 30 centímetros abaixo do nível do saguão. Reportei ao atendimento que eles precisavam urgentemente chamar a assistência técnica. Só não falei que era por culpa nossa. Passando pela Biblioteca Pública e pela Praça Júlio de Castilhos, fomos tomar um café num shopping com escadas rolantes mal posicionadas (coisa que a Babi não parava de falar). Tirando o preço (salgado) foi perfeito. Depois da janta, paramos no Zaffari do shopping mesmo, pois as gurias queriam comprar energéticos para a prova do dia seguinte. Idéia ruim, se me permitem dizer. A Babi já é hiperativa e desconcentrada em seu estado natural, imagine com 100 ml de cafeína no sangue. Senti pena, mas muita pena dos fiscais da sala dela. Iriam sofrer bastante.
Meia hora de espera na porta do mercado (enrolação pouca é bobagem) e um tombo lindo na escada rolante depois, começamos nosso caminho de volta para o hotel, onde o Róger e a Cris iriam aparecer para jogar cartas. Já eram 9 da noite, e quando passamos na frente de um ponto de táxi, uma batalha interna estourou dentro de mim. Ficaria fazendo festa até altas horas da madrugada e dormia lá no hotel mesmo, ou voltaria para casa para me deitar às nove e meia?
Voltei para casa. Tinha deixado minha caneta lá.
Obra composta por Andarilho às 2/06/2007 05:43:00 da manhã
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