Aloprando em Curitiba (Parte 3)
Desculpa ai pra quem não tem tempo de ler todo esse catatau no trabalho (vulgo Michereff). Os próximos posts vão ser quebrados em várias partes. "Aloprando em Curitiba" vai ser a última série de indiadas minhas por aí, pois já me falaram várias vezes que os textos estão muito compridos, que eles tem que ser curtinhos. Certo, os próximos serão mais quebrados, mas vai a ser a primeira e última vez que faço isso.
Dia II: O Começo pra Valer
Depois da tempestade, vem a calmaria. Depois de toda festa, vem a porquice. Não precisem nem ao menos sair do saco de dormir para descobrir que o resto do alojamento estava uma imundície perfeita. Mas tive o prazer de ver a merda com meus próprios olhos, pois precisava tomar tirar água do joelho e tomar banho. Fui para o banheiro masculino. Olhei para o mictório, cheio de mijo até a boca, e pensei: já sou grande, posso segurar até achar um banheiro limpo. Tinha medo de transbordar no meu pé. Dei uma conferida nos chuveiros. O chão estava coberto com uma camada (que espero ser) de barro. Não queria arriscar pegar gonorréia ou coisa parecida pelos pés, e resolvi procurar outro lugar para tomar banho. Havia o infame banheiro unissex, no mesmo corredor de nossa sala. A pia de lá estava toda vomitada, mas era um lugar bem mais agradável para se tomar banho porque, afinal, era possível sair limpo de lá. Estava deveras preocupado com a minha pulseirinha amarela "Grita LUXO!!!", pois ela era de papel, e era a única coisa que me permitia entrar e sair do alojamento e dos eventos do encontro sem problema algum. E não dava para passar 5 dias sem banho só por causa da pulseirinha. Mas ela agüentou, até mais do que eu (FATO: as pulseirinhas só cairam do meu pulso dia 1 de agosto, depois de eu ter passado a faca nelas).
Uma ducha depois, já estava pronto para o começo oficial das atividades do encontro. Havia muitas modalidades de eventos. De manhã, ocorreriam apenas as mesas-redondas, que contavam com algum convidado (mais ou menos) ilustre, que faria uma breve palestra, e depois responderia à algumas perguntas. De tarde ocorreriam os GDV's - Grupos de Discussão e Vivência - onde ocorreriam debates sobre questões relativas à psicologia no Brasil, como reforma curricular, os NV's - Núcleos de Vivência - que seriam mais voltados para a prática de alguma atividade, seguida de um debate, e as oficinas, que seriam atividades mais lúdicas, como Tai Chi Chuan e Massoterapia. À noite, ocorreriam os ELO's - Espaços de Livre Organização - que eram organizados espontaneamente, por qualquer participante do encontro, para discutir qualquer assunto de interesse. Pessoalmente, considero os ELOs a parte mais legal do ENEP, por permitirem uma flexibilidade muito grande para os estudantes se articularem.
Chegando no Cecília, fui pegar meu café da manhã: maçã, suco de caixinha e um sanduíche. Basicamente, o que como em casa de manhã. Bom o bastante, mas restava saber se o almoço valeria o seu preço.
Para tristeza minha e do Daniel, Suely Rolnik não apareceu para sua mesa-redonda, por causa dos problemas que ocorriam no aeroporto de Congonhas. O jeito foi improvisar e procurar outra mesa-redonda que fosse tão interessante quanto a dela. Entrei na mesma que alguns colegas meus entraram, sobre o ensino de Psicologia no Brasil. Empolgante como corrida de lesma. Tanto eu quanto meus colegas aguentamos bravamente 5 minutos daquela conversa, antes de sair da sala e voltar a viver. Depois de 30 segundos para recuperar a atividade cerebral, fomos para outra mesa-redonda, muito mais interessante, onde um jornalista falava a respeito da Comuna de Oaxaca.
Lembro de ter feito também uma oficina de Tai Chi Chuan, mas não lembro muito bem o horário. Se não me engano, foi logo depois desta mesa-redonda. Foi bem divertido, mas acabou meio cedo. Deu tempo ainda de descobrir que os outros Urguenses estavam numa oficina de líquidos, onde eles brincavam de fazer suco com as combinações mais bizarras possíveis (como alface, laranja e tomate). Divertido.
Chegou a hora do almoço, e de ver se os 3,50 que gastem foram investidos de maneira adequada. Sinceramente, já comi coisa muito melhor por muito menos (viva o RU!). A bóia do dia era uma quentinha com bife (frio), massa (sem molho e sem sal), feijão com arroz e salada. Para variar, tinha esquecido os talheres no alojamento, e nem a pau que eu caminharia 20 minutos pra pegar um garfo (por que faca é algo desnecessário). Decidi comprar os talheres que estavam vendendo ali mesmo. Conveniente, não? Pelo menos era barato: a dobradinha "Garfo-Faca" era 50 centavos. Diziam que eram de qualidade, mas eram só uns pedaços de plástico mal cortado. Servia pra pegar a massa e o feijão.
Como as mesas estavam todas ocupadas, tivemos que comer no chão mesmo. Foi um momento Túnel do Tempo, e voltei a ser escoteiro por meia hora, comendo mal, sentado no chão de um lugar muito, mas muito longe de qualquer rastro de civilização. Mas este terno momento durou só até eu lembrar que também tinha deixado minha escova de dentes no alojamento. Sorte minha, estavamos do lado de um supermercado. Escolhi com muito carinho uma escova de qualidade, de cerdas macias, com cabo acolchoado... e que fosse barata o suficiente para jogar fora quando voltasse para Porto Alegre. Ou para o alojamento, dependendo do caso. Finalmente, depois de 5 minutos de procura, cai de amores por uma escova de R$ 1,10. Ela assegurou a minha higiene bucal, juntamente com o dentrifício emprestado de alguém.
Depois do almoço, começariam os GDVs. Já tinha pensado em participar de uns dois ou três. Mas quando fui ver, estavam todos, TODOS!, lotados. Esquizodrama? Lotado. Sexo, Drogas e Rock n' Roll? Idem. O Legado e Importância de Silvia Saint para a Psicologia? Infelizmente, esse GVD não chegou a existir, mas se tivesse, com certeza estaria lotado. Só me restava, então, achar um NV legal. Descobrimos um tal de Jogo das Cidades, que era como um War gigantesco, só que sem aqueles disquinhos de plástico. Nele, tinhamos que administrar os recursos naturais e tecnológicos de nosso país (o nome do jogo é enganoso, eu sei) para ganharmos mais dinheiro que os outros e ganhar. Os recursos naturais eram representados por folhas coloridas, e os tecnológicos eram materiais escolares, como réguas, compassos e lápis. Para "industrializarmos" nossos recursos precisávamos cortar determinadas formas trigonométricas, e depois vendê-las para o Banco Mundial (BM, ou Brigada Militar para os íntimos). Ficamos com a Bolívia. Nossa tecnologia consistia de um lápis com a ponta quebrada, mas tinhamos muitos recursos naturais.
E em tempo recorde também começou a trapaça no jogo. Um dos dois apontadores de lápis dos EUA (que tinha dois) sumiu, e ninguém sabia onde ele havia parado. Pouco tempo depois deste ocorrido, o governo cubano (ou era o iraquiano?) aparecia com uma proposta muito indecorosa de transferência de tecnologia. Eu, como Ministro de Porra Nenhuma, fui contra tamanho descalabro moral, dizendo que era um absurdo fazer tal... descalabro contra a... democracia, e coisa e tal! Acabamos fazendo uma troca muito bem sucedida com os EUA, conseguindo um esquadro e uma tesoura, em troca de alguns recursos naturais. Contando com a tecnologia da "gambiarra", apontamos o lápis com a tesoura e começamos a produção. Em tempo recorde, já tinhamos descoberto a melhor maneira de processar o material bruto, que vinha a ser a forma mais chata de todas, pois precisávamos cortar 40 triangulos pequenos de uma folha.
Foi interessante ver as negociações que rolaram (de forma legal e transparente). Cuba, Iraque, Inglaterra e EUA dialogaram de maneira cordial e fizeram trocas. A Bolívia se tornava uma potência econômica. Os EUA não atacavam ninguém e perdiam terreno para nós. Era surreal.
Mas, no fim, como só tinha psicólogo lá, e psicólogo é tudo fresco, todos os países do jogo entraram em acordo, e dividiram os recursos tecnológicos e naturais de forma justa, para que empatássemos. A professora que supervisionava o jogo ficou impressionada com isto, apesar de, na hora de avaliar a qualidade dos produtos, ela sacanear todo o mundo (bem, é literalmente). Depois que tinhamos entregue nossas mercadorias no BM, começamos a discutir sobre o que o jogo representa, e blahblahblah. Dormi (que constante!).
Saímos a tempo de pegar a janta, que era a mesma porcaria do almoço. Aproveitei o tempo livre antes de voltar para o alojamento e dei uma passada numa lan house ali por perto para checar os e-meios e agradar papai mandando umas notícias. Por causa dessas porcarias de grupos de e-mails, tinha 10 mensagens novas, número que, considerando meu zelo em manter a organização do meu Gmail, é bem alto. Mas estava certo de que o volume de porcarias que receberia seria pequeno, pois o pessoal com o dedo mais nervoso para mandar porcaria para estes grupos estava lá em Curitiba, e não teria tempo sequer de pensar em computadores.
De volta para o alojamento, senti-me tremendamente feliz por ter tomado banho de manhã, pois a caixa d'água estava fechada por causa do uso excessivo dos companheiros ali acantonados. Banho, só no outro dia. Como diria uma amiga minha: fudeu, fudeu, fudeu, fudeu. Mas é a vida, gente. A festa do dia (ou devo dizer "noite"?) seria no outro alojamento, no Maria-alguma-coisa, chamado apenas de Maria. Era o alojamento chique, que, ao contrário do Aljazera, tinha água e era limpo. Além de ter espaço, como fomos descobrir ao chegar lá.
Nós de Porto Alegre e redondezas não dispunhamos do nosso ônibus para fazer os translados entre alojamentos e eventos, o que nos deixava dependentes de caronas nos ônibus das outras delegações, e, por causa deles, de taxinhas de transporte. Cada viagem no ônibus dos outros era sempre 2 reais. Como qualquer táxi que pegássemos não cobraria menos que 20 reais para ir do Aljazera até o Maria, era uma barbada. Nós, e todos que iriam para a festa (praticamente todos no alojamento) ficamos esperando pelo ônibus de uma delegação do lado de fora do colégio. Enquanto ele não chegava, a gauchada não negou a raça e o bairrismo, e depois de termos cantado "Amigo Punk" pelo alojamento inteiro, puxamos as clássicas que pelo menos 75% da população gaúcha já teve que fazer uma apresentação dançante na escola com elas ao fundo: "Eu sou do Sul" e o insuperável "Canto Alegretense", além de outras menos conhecidas ou merecedoras de terem seu nome citado neste augusto blog. *ahem*
Ficou claro para nós que, se quiséssemos colocar todos que ali estavam dentro do ônibus para ir para a festa, teríamos que quebrar umas 4 ou 5 leis da física, sem falar nas leis do trânsito. Eramos a segunda leva para a festa, e como o motorista estava faturando uma bela grana por fora, tivemos que nos empilhar dentro daquela lata velha. Eu tive sorte, e consegui sentar espremido no último banco, junto com meu veterano Marcelo. Enquanto eu relembrava todas as indiadas veiculares semelhantes que havia me metido anteriormente, especialmente uma envolvendo uma fiorino cheia de tralhas e machos molhados (fato conhecido como a "Sauna Gay Móvel"), a gauchada mais para a frente continuava a puxar os hits mais-mais baladinhas de verão. Pena que não consegui ouvir, ou cantar junto.
Quando chegamos no Maria, fizeram um censo de quantas pessoas se espremeram juntas no ônibus. 121 pessoas. 121 pessoas de pé, esmagadas umas contra as outras, obrigadas a cheirarem o bódum alheio. Tudo por uma festa. Quando chegamos a festa estava bombando, mas 5 minutos depois, a Polícia Militar atacou e desligou o som. Mas que bom, hein, Andarilho! Festa sem música!
Tudo bem. Por uns 15 minutos ficar dançando ao som de músicas foi divertido o suficiente, pois não estava sozinho, mas depois encheu o saco. Fiquei tão de saco cheio que me dispus a ir numa reunião (REUNIÃO NO MEIO DE UMA FESTA!) onde uma baiana ficou reclamando sobre um PM ter feito baculejo em duas meninas. A primeira coisa que eu pensei que "baculejo" significasse era surra seguida de estupro seguido de outra surra, mas depois que perguntaram que merda era um baculejo, ela explicou. Nada de mais, é revista íntima. Só que o PM mandou as gurias levantarem as blusas, passou a mão, e a delegação baiana queria que a organização do evento tomasse providências à respeito. Os caras da organização que tinham quase ido pra cadeia por causa do som alto da festa teriam muito poder e influência sobre a Polícia Militar do Paraná. O-ho-ho. Eu tava realmente cagado pra ir numa reunião destas bem no meio de uma festa. Chata pra caralho, mas festa igual.
Depois que meu estoque de paciência tinha se esgotado por completo, sai daquela reunião. Era hora de ir dormir. O pessoal estava me procurando desesperadamente, pois precisavam de mais uma pessoa para rachar o táxi. Foi providencial.
Depois de perdermos um táxi por descuido nosso (e por causa de um motorista filho da puta), fomos, nós 5, de volta para o alojamento. Para variar, fiquei no meio do assento traseiro. Justamente eu. Bem, era mais confortável do que o ônibus. O taxista estava meio perdido naquele bairro, por que, bem, o bairro onde nosso alojamento estava era um lugar perdido no mapa, e tivemos que dar as direções. Nada de mais. A corrida foi 15 pila.
Bem, até dá para falar um pouco mais da enrolação antes de dormir, mas tirando a minha odisséia atrás de água para escovar os dentes, nada de muito interessante aconteceu.
Até a próxima gente! Beijomeliga!