segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo (Parte 3)

- 7 de janeiro de 2007

Dia da primeira prova. Comi um café da manhã rápido, porém reforçado, e fui pegar meu ônibus. O ônibus Glória. Foi uma simulação de como as vacas sentem-se dentro de vagões de trens cargueiros. E temo que uma importante Lei da Física fora completamente ignorada naquele veículo: dois corpos não podem coabitar o mesmo espaço ao mesmo tempo. De agora em diante, toda vez que vir a expressão "Foi a Glória", me lembrarei coxas masculinas suadas roçando na minha bunda. Não prolongarei a descrição deste quadro da dor. Desci do ônibus com alegria, apesar do receio de ter perdido naquela bagunça toda minha carteira e minha virgindade anal, e me dirigi até o portão de entrada do colégio Nossa Senhora da Glória, meu local de prova.

Como as provas duram até 4 horas e 30 minutos, é permitido ao vestibulando levar uma garrafa de água, suco ou refrigerante (será que permitem destilados?) para o local de prova. Sem o rótulo. Eu não me importo de ficar com sede, afinal, eu fui para Porto Alegre para conseguir uma vaga para o curso de psicologia, não tomar água. Mas aparentemente eu pertenço a uma minoria. A maioria foi lá para tomar água, só que é burro o suficiente para esquecer a garrafa em casa. Mas para resolver este problema, existem os oportunistas, como por exemplo, a direção da escola, que montou, numa posição estratégica, uma banca que vendia água mineral, e foi só abrirem os portões às 8 horas que um bando de tapados já foi puxando a carteira para comprar a sua. Bom, pelo menos poderiam ter vendido já sem o rótulo.

A escola é dirigida por freiras, e isso fez sentir-me praticamente em casa. Era tudo praticamente igual ao São José: os ladrilhos nas paredes, os corredores escuros e tortuosos, a crônica falta de banheiros masculinos, as escadarias que levam às celas das irmãs fechadas com grades de ferro. Faltava apenas uma coordenadora disciplinar com cara de maracujá de gaveta me xingando por respirar pelo nariz, a tia do SOE (mal)tratando-me como um delinqüente juvenil e uma desculpa para arrombar as grades de ferro e brincar de explorador. Ai, tempos de colégio que não voltam mais.

Na minha sala (no último andar, para variar), fiquei reparando nas pessoas que fariam a prova comigo... meus concorrentes. Fiquei pensando se deveria dar um cagaço neles fazendo pouco da prova quando nos fossem entregues os cadernos de exercícios, ou dizendo que nunca antes na minha vida tinha feito uma dissertação sobre um tema tão fácil. Fiquei quieto, pois apanhar logo no primeiro dia de vestibular não seria legal. A duas cadeiras de distância, do lado da janela, sentava uma gótica que, indiferente ao sol de rachar daquele dia, vestia roupas completamente pretas, com direito a um casaquinho para arrematar. O abobado do meu lado dormia. Duas outras gurias matraqueavam sem parar. Amigas de infância, provavelmente. Imagina se uma passa e a outra não...

Enquanto eu pensava que deveria ter enrolado mais no corredor para não ter que ficar esperando sentado na sala, os fiscais recolheram a cadeira que estava no corredor e começaram a ler o regulamento para nós. Enquanto liam, tive uma vontade louca de perguntar se eu poderia acender um baseado e fumar durante a prova, só para encher o saco, mas guardei esta bobagem para mim mesmo (mas se fosse permitido, aposto que o cara do meu lado iria puxar uma seda e começar a enrolar um). Depois, começaram a nos entregar as folhas ópticas, e quando uma pessoa não respondeu ao chamado do fiscal, não consegui deixar de exclamar “Menos um concorrente!” em voz alta. Aposto que todos os outros pensaram a mesma coisa. Ao todo, no primeiro dia, faltaram na minha sala umas 10 pessoas. Melhor pra mim.

A partir do momento que foi-nos permitido abrir os cadernos de exercícios, entrei em transe e não parei de responder as perguntas, até acabar com todas, para então ir para a pior parte de toda a prova: preencher a folha óptica. Pintar todas aquelas elipses a caneta é algo desagradável, especialmente se você for bocó e pintar duas na mesma linha, anulando assim, uma questão. O que é uma merda, sinceramente. Apesar de que seria divertido pintar a cara de um gatinho ou um bonequinho de palito desse jeito. Mas não valia a pena. O tempo de prova que me restava usei para escrever a redação.

Saí da sala preocupado, pensando em algo muito importante para minha vida: o que tinha para o almoço? Precisava voltar para casa. Por via das dúvidas, peguei um lotação, pois eu não queria saber como seria dentro do Glória cheio de gente com fome (vai que me comem?).

Às 3 horas, mais uma aula pré-prova. Para alegria geral da nação (e em especial, do Tio Mauri), não azucrinei na aula de química do EMOssexual, apesar dele afirmar categoricamente que a questão 24 , seu número preferido, seria sobre termoquímica (ele errou. A prova de química começa na questão 26).

Saí do Mauá só às 5 da tarde, e de lá, fui para o hotel Everest, usufruir dos direitos de hóspede do Tio Mauri e jogar sinuca, na companhia dele, Doug, Róger e Cris, que não pode comparecer à aula ontem por ter bebido um litro de vodka inteiro (ela deve ter sangue irlandês pra beber tanto assim), além de engraxar meus chinelos na máquina divertida do hall do hotel. Enquanto jogávamos e xingavam minha pouca habilidade (quase encaçapei a bola branca na lata de lixo do lado da mesa), ouvimos a história do Sergipano Louco, que veio desde Sergipe até o Rio Grande do Sul fazendo todos os vestibulares que encontrou pelo caminho. Há boatos que a CIA já está no encalço deste aloprado. A poltrona com rodinhas da sala de jogos era uma diversão à parte.

Mas a brincadeira não acabou por aí. Do hotel, saímos para dar uma outra voltinha no centro: fomos numa farmácia pra comprar gaze. Quase comprei KY, mas não me dignei a gastar 18 reais por um pote de vaselina (o genérico é 14). De lá, fomos para outro Zaffari, comprar mais comida. Aproveitei e peguei uma garrafa de chá gelado. 3 reais. Coisa cara.

De lá, fomos para o apartamento onde Róger e Cris estavam. “Apartamento” é apenas modo de dizer, pois o nome correto seria “apertamento”. No pequeno espaço de 3 metros por 4, dormiam 6 pessoas. Senti um calafrio correr minha espinha, e por algum motivo que ainda não consegui desvendar, subitamente lembrei-me do ônibus da manhã. Mas nem tudo foi ruim: aprendi a jogar dardos! É um joguinho muito divertido, pena que jogadores menos capacitados do que eu sempre estraguem o reboco das paredes e destruam os móveis próximos. Depois dizem que EU sou sem-noção...

Mas não podia me enrolar, e não muito mais tarde, tive que ir embora, pois meu retorno ao lar era imperativo. Para os mentalmente incapazes: precisava voltar pra casa. Sai com Tio Mauri e o acompanhei até a porta do hotel. De lá, saí apressado em direção ao ponto de ônibus. E adivinhem o que eu fiz? Me perdi mais uma vez. Só que desta vez caminhei tanto, mas tanto que fui parar do lado do Rio Guaíba. Olhei para a antiga sede da prefeitura e pensei de novo: “Da última vez esse prédio não tava aqui!”. E como uma barata tonta, sai a caminhar. Pensei em ir até a rodoviária, que não era muito longe dali, e pegar meu ônibus lá. Mas enquanto passava na Rua Voluntários da Pátria, rua que está para Porto Alegre assim como a rua da Nosso Pão está para Caxias, tive uma visão que encheu-me de alegria (não, não era um traveco): a Santa Casa. Um ponto de referência, o que significa que não precisaria ficar perdido!

Não há muito mais o que contar depois disto: cheguei em casa, comi e dormi (não sem antes ter que assistir o “Carros”). Quando me deitei, refleti sobre meu dia, e cheguei a seguinte conclusão: “devia ter trazido a bússola”. Ah! Pensei também: “Prova de biologia amanhã”. E dormi.