domingo, 25 de fevereiro de 2007

Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo (Parte 6)

-10 de janeiro de 2007
Ou
Aquele da Passagem de Ônibus

Foi realmente um presente dos deuses que o último dia de vestibular fosse História, Literatura e Inglês. Dava até a impressão de que as provas haviam acabado na terça-feira, e que a quarta seria só um passeio. Passeio importante, como aqueles do tempo de escola que exigiam relatório valendo uma caceta de nota. Mas passeio é passeio: sempre divertido!

Fui tranqüilo e sereno para o colégio Glória (de táxi, claro), e mais uma vez, enquanto esperava darem a largada para a corrida do Vestibular pra ver quem senta primeiro nas classes, fiquei olhando o povo ao meu redor. Incrível como tem gente que estuda na frente do local de prova com aqueles jornalecos que o cursinho Objetivo distribui. Não são ruins, devo admitir: arrependi-me de não ter dado uma lida mais profunda na edição número 3 (matemática e física).

Como sempre fiz desde o dia 8, fiquei enrolando no corredor, esperando às 8:29 para só então entrar na sala. Fui ao banheiro, olhei as pinturas de Jesus (no corredor, claro. Não gostaria de ficar encarando o Cristo enquanto fazia o número 2), ajudei uma guria a catar a papelada que escorregou para o chão. “Bacana ela” pensei com meus botões, “pena que é concorrente, e eu vou tirar a vaga dela”.

Só depois de muito vagar, dei as caras na minha querida sala 123. Foi o único dia que me arrependi de ter chegado mais tarde, pois minha vaga de sempre tinha sido ocupada. Deveria ter colocado um cartaz na cadeira, com os dizeres “Reservado para a bunda do Samuel”. Azar. Sentei no meio da sala, longe de qualquer parede para me escorar, o que é uma merda. A gótica estava, como sempre, na sua janela no canto, inatingível, desta vez toda de preto, na sua coloração natural. Há quem diga que góticas não gostem apenas de roupas pretas, mas vermelhas e roxas também. Pessoalmente acredito que estas cores apareçam apenas na época de muda, ou são determinados por genes recessivos, como o albinismo. Também existem góticas albinas, isto é, que vestem blusas e vestidos brancos, mas estas são chamadas de “Mães-de-santo” (prometo que esta foi a última vez que faço esta piada).

A prova não foi um passeio agradável como eu imaginei que fosse, mas ainda assim foi o melhor dia de todos, tanto que pela primeira vez de todas as vezes que fiz vestibular, saí logo após o tempo mínimo de permanência, no caso, 2 horas. Esta saída antecipada garantiu-me o privilégio de ver em primeira mão um efeito sociológico interessantíssimo: os pais acampados na frente do colégio, com cadeiras de praia e chimarrão, esperando os filhotes terminarem a prova. Naquele momento dei graças ao Senhor pelos meus pais terem voltado para Caxias: tudo o que eu mais gostaria de ter que responder depois de sair de uma prova é “E aí? Como é que foi?” para eles. Parece que vai fazer alguma diferença se eu disser alguma coisa.

O dia seria bem diferente dos outros, a começar pelo fato que as pré-provas acabaram. Ao invés disto, teríamos a Festa das Tintas, “Um no-jo, mas vocês a-do-ram!” como diria o Riggo. Sem falar que teríamos que pegar nosso ônibus às 20 horas.

Comprei uma camisa e uma bermuda bem vagabundas, já que era para sujar com tinta, e fui para a sede do Mauá. A festa começaria às 15 horas, mas isso fica só no plano teórico. Começou às 16. Sobre a Festa não há muito o que falar, já que foi só (!) tinta, cerveja e som alto. Foi bem divertido ficar jogando tinta diluída em água nos outros. Aquela camisa que comprei era branca. Agora é verde. E aqueles óculos escuros do Tio Riggo não enganavam ninguém (ervas medicinais foram usadas. Em excesso).

Depois de uma ida ao banheiro para se trocar tumultuada pelo segurança (só duas pessoas podiam usar o banheiro ao mesmo tempo. Vai entender), fui para casa tomar meu banho, pegar minhas tralhas e ir pra rodoviária. Foi aí que começou a farra.

Cheguei, bem feliz, já pensando no chuveiro, quando descubro uma coisa muito pouco agradável: na passagem de ônibus, o horário escrito era 19:00, e não 20:00, como eu pensava. E já eram 19:20. Liguei para a Bárbara e falei sobre o ocorrido. Ela ficou realmente estressada. “EU VOU CONSEGUIR ENTRAR NAQUELE ÔNIBUS ÀS OITO HORAS E EU NÃO QUERO SABER SE ARODOVIÁRIA FEZ ERRADO! EU VOU RODAR A BAIANA!” foi mais ou menos o que ela disse no telefone, enquanto eu dizia, em vão, para termos calma. Em todo caso, chegamos a um consenso, e iríamos todos para a rodoviária antes das oito horas. Alguns minutos depois, a Bábi ligou novamente, e disse que, se quiséssemos acertar as nossas passagens, teríamos que nos dirigir ao guichê 15, e falar com... com... com uma mulher de nome muito estranho.

Depois de um banho extremamente longo (10 minutos) para tirar a tinta dos cabelos, chamei um táxi e fui para a rodoviária. No guichê 15, tive o seguinte diálogo:

-Oi, me venderam uma passagem com o horário errado, deveria ser para às oito horas, não às sete, e me disseram que eu deveria falar contigo pra conseguir uma nova.
-Não posso fazer nada por você. Essa passagem era para o sábado passado.
-Obrigado.


A primeira coisa que fiz depois desta conversa animadora foi ir direto para um cesto de lixo e jogar a passagem fora, e a segunda foi ficar olhando os táxis que chegavam, para ver se os outros vinham ou não.

Não demorou muito, e Vanessa, o Tio Mauri, a Morgana e a Bábi chegaram, as duas últimas com vontade de tocar fogo no circo (no sentido figurado) e na rodoviária inteira (no sentido verdadeiro). Não estava interessado em perder tempo, por isso fui logo contando a boa nova, que não só o horário de nossas passagens estava incorreto, mas também a data! Agora sim, aquele colóquio do dia 6 faz sentido. E neste mesmo colóquio, faltaram duas linhas, as seguintes:

-Opa! A data e o horário tão errados! Troca aí, moça.
-OK.

Sabe por que faltaram essas duas linhas? Por que não conferimos porra nenhuma. Eu considerava isto nossa própria responsabilidade, e não me oporia a pagar mais 25 reais de passagem, mas eu e a Bábi não compartilhávamos a mesma opinião. Ela e a Morgana decidiram que iriam ao menos conseguir ressarcimento pelas passagens terem sido vendidas com a data e horário torto. Fui até a lixeira e peguei de volta minha passagem, que ainda não tinha sido coberta por papel de picolé e resto de chimarrão.

No Guichê 15, a conversa foi bem animada: já saíram reclamando da passagem errada, pediram para entrar no ônibus das oito ou dinheiro de volta, e rolou até a clássica “Eu quero falar com o seu supervisor!”. O problema foi que ela era a supervisora. Daí não há condições de por ela contra a parede. Em todo caso, ela disse que não era problema dela, da rodoviária, mas da empresa de ônibus, a Caxiense. Saímos correndo até a sala da compania para reclamarmos, e de lá, para o bloco 3, onde se efetuam as saídas para Caxias.

A Bábi encontrou o motorista do ônibus e falou do nosso problema. O motorista, muito solícito, pra não dizer “filho da puta indiferente” ou coisa pior, disse que o problema não era da Caxiense, mas da rodoviária, e também disse que eram só mais 25 reais para comprar uma passagem nova, para às nove. “Ótimo” pensei “agora é correr de novo pro guichê 15 e encher os pacová daquela mulher de novo”. Mas não foi o que aconteceu. A Bábi grudou naquele palhaço como um carrapato, e disse que nós não tínhamos mais dinheiro. Meu lado que nunca mente ia dizer que isto era mentira, mas meu lado mais ladino deixou por isso mesmo, pois até meu lado que nunca mente é pão duro, e minha carência afetiva não iria deixar uma nota de 20 e um 5 me deixarem para todo o sempre.

O desgraçado do motorista era osso duro de roer, e só parava rindo da nossa cara. Eu não tinha muitas esperanças de usar minha passagem para algo mais útil do que assoar meu nariz. Mas a Bábi mostrou a que veio, e seguiu ele por todos os lugares que ele ia. Ela conseguiu colocar ele contra a parede quando conseguiu fazer com que ele dissesse o próprio nome e sobrenome. Pronto! Se ele não nos deixasse entrar, era só ligar pra ouvidoria da Caxiense e reclamar daquele Fulano. Ela devia fazer Direito, essa guria. Seria uma advogada tão boa que conseguiria convencer todo mundo que o Fernandinho Beira-Mar é gente boa.

Eu nem me lembro do nome dele, o que prova que não tivemos que tomar medida tão drástica. Às 19:55, ele cedeu e deixou que entrássemos no ônibus, desde que houvesse lugares. Saímos correndo para chamar os outros, que ficaram esperando perto dos guichês com as bagagens. Saí correndo pro lado errado (digo isto por que muitas pessoas reclamaram que não me perdi no dia 9, e elas estranhariam se o mesmo ocorresse no dia 10).

Com as nossas bagagens e bundas já no ônibus, relaxamos, sentados do ladinho do banheiro do busão. Depois de tanta farra, aventura, prova e farra, passei a ver minha vida por um outro ângulo, e adotei uma nova filosofia de vida: tenha sempre um mapa à mão.



E este foi o último post das “Aventuras Venturosas de um Vestibulando Vagabundo”. Não haverá reprise ano que vem, pois eu passei nesta droga de concurso.

Publicado por: Editora R&A, todos os direitos autorais reservados, inclusive o de se perder no Centro de Porto Alegre.