terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Vida Dura (Parte 2)

Lavar louça. Eis um serviço ingrato. É só você terminar de lavar todos os talheres, todos os pratos e todas as panelas que chega a hora do almoço e você tem que sujar tudo de novo.

Raramente lavei a louça enquanto morava com meus pais. As vezes tomava vergonha na cara depois de um esporro paterno sobre como "eu era mimado e não ajudava em nada com a organização da casa". Claro que eu ajudava! Eu não bagunçava mais do que o necessário. Mas isso não vem ao caso agora. Achava uma merda ter que lavar a louça. Pra ser sincero, ainda acho. Mas agora não tenho muita escolha, pois ou eu faço este trabalho ou a casa fica com cheiro de esgoto por uma semana. Acabo de lavar um pote que serviu para transportar lingüiças fritas. Sexta-feira. Não consegui lavar tudo a tempo depois da aula antes de pegar meu ônibus (que, diga-se de passsagem, eu perdi). Ficou tudo parado, por três dias, apodrecendo. Quando voltei para Porto Alegre, senti medo ao olhar para aquele pote. Senti medo de que, ao abrí-lo, uma lingüiça mutante pularia no meu pescoço falando "pa...pai, pa...pai!" e arracaria minha jugular. Felizmente, mantive meu rosto (e principalmente meu nariz) afastado do pote e esfreguei-o com toda a força que pude (ele ainda está cheio de graxa, a propósito).

A pia não colabora com o andamento das coisas. O balcão para deixar a louça suja é muito apertado, o que me obriga a deixar muitas coisas dentro da pia em si, impedindo o escoamento da água. Suja. Engraxada. Nojenta. Que fica emporcalhando o resto da louça. Então, eu me obrigo a deixar os pratos em cima do balcão, as panelas em cima do fogão, os copos dentro da pia propriamente dita e os talheres dentro de copos ou panelas cheias de água (pra sujeira desgrudar, pois a relação de apego entre a comida e o talher se tornam muito fortes depois de três ou quatro dias juntos. É mais difícil que separar mãe e bebê. Winicott e Bowlby são para os fracos. Os fortes lavam louça).

O ralo da pia é outro problema. Tem uma gradezinha protetora que em teoria impede que resíduos mais largos de comida não caiam no ralo, mas isto é só em teoria, por que aquela porcaria de grade sempre sai do lugar por causa da água caíndo da torneira ou das panelas. Já tentei todo o tipo de técnica para impedir que isto aconteça, mas nenhuma é satisfatória: não deixar a água cair diretamente em cima do ralo, espalhar a água dentro das panelas em círculos dentro da pia, abrir a torneira apenas de leve... sempre a gradezinha sai do lugar. Neste exato momento, uma avançada civilização de germes de carne e queijo se desenvolve no cano da pia da cozinha. Preparem-se, o deus deles já disse que ele quer que eles conquistem o mundo e façam sacrifícios humanos diários em seu nome. E eu vou ter que chamar o encanador.

1 comentário:

Anónimo disse...

Essa série de posts poderia ter como subtítulo "Sentando o malho no velho". Mas, deixa pra lá. Talvez minha sensibilidade paterna esteja à flor da pele. Mas este post é daqueles que a gente lê com um secreto sentimento de estar sendo vingado pela vida. Aliás, sentimento secreto coisa nenhuma. É um sentimento explícito, um sentimento com tendência exibicionista. Ah, alma lavada. Como é bom poder dizer: Eu avisei (fazendo ao mesmo tempo uma cara de tristeza e pena - fingida - e de satisfação - esta bem real). Vou reler este post algumas vezes antes de dormir. Meu sono será bem mais revigorante.